sábado, fevereiro 18, 2006

Não me contes o fim (1)

"A vida (...). Vale por si só e não por nós, e é por isso que custa deixá-la."

"Nem a felicidade é tão rica, tão fecunda como o sofrimento. Mas uma sem o outro não subsiste, é aceitar e pronto."

"É-me penoso avaliar-me, quanto mais descrever-me. Há dias em que me sinto cativante e difícil de ignorar, noutros incolor, insignificante, invisível."

"O que vivi já ninguém me tira."

"Cultura era outra coisa: observar e ler, saber e perdoar, partilhar com humildade, mesmo esforçada."

"Era aquilo o sexo, então. Derretia-nos, como o sol faz à neve, e tornava-nos líquidos e voláteis, obedientes. Entorpecidos, escravos. Era diferente do que imaginava, mas forte. E contraditório, também. Mas era bom, não podia dizer o contrário. Bom e mau, bom e mau."

"Comunicar com pessoas de língua diferente não é o mais difícil. É preciso dominar outro idioma, o da comunicação com as almas, mais cifrado e complexo. Aprender a traduzir o que as pessoas são, ou querem dizer, para além do que fazem, falam ou parecem, exige intuição, cultura e curiosidade, certamente, mas sobretudo atenção."

"Seria bom saber a quem, ou como, tivemos o condão de tocar, mas essa consolação ninguém a tem."

"Não há regras. Há gestos grandes que nos deixam impassíveis e atitudes mesquinhas que mudam a nossa vida. Depende do dia, da lua, do estado de alma, do tempo, da atenção, da autoria."

"Talvez, talvez, talvez. É com a dúvida, e não com a certeza, que temos que lidar todos os dias."

"Cada pessoa é um cosmos, mesmo as que nos parecem lineares."

"Há pares cuja sensibilidade sintoniza desde o primeiro momento e que podem investir toda a sua energia na realização de sonhos e projectos; enquanto outros, pelo contrário, se desgastam em argumentações defensivas, perdendo um tempo precioso e consumindo-se até à ruptura, que chegará mais tarde ou mais cedo."

"Extraordinária a influência que os diferentes climas exercem sobre nós e que bom descobri-lo na pele!"

"(...) com os anos, verifiquei que também podemos amar as imperfeições da pessoa amada, perigosamente."

"Lá estava a vida, de novo, a testar-me, troçando de tudo o que eu aprendera até então ao colocar-me perante uma questão sem precedentes! Que adiantava agora o que sabia?"

"Parece fácil, e civilizado, o gesto de envergar uma manga de plástico no momento certo, mas a verdade é que há, na nudez, um instante de inconsciência que desfoca a realidade e desconsidera todos os riscos. É um mistério, um fenómeno, um abismo de esquecimento que se opõe a toda a modernidade e se repete em todas as gerações, e que, arredado do cenário de expectativa, rendição e pudor vivido por duas almas que se descobrem, parece vândalo, primitivo."

"Enquanto se despia e me despiu, pensei em como era diferente a nudez nos dois sexos. Ainda hoje penso. Nos homens, aquele impudor sadio, confiente e despreocupado - quase ridículo. Em nós, este confrangimento subalterno e humilhante perante a consciência de uma barriga menos lisa, de um peito menos firme, de gordura ou cicatrizes."

"Depois de uma inconciliação como esta, dolorida e prolongada, ao verificar-se que a outra parte nos não guardou ressentimento, ficamos com uma expressão idiota e um insuportável sentimento de desperdício, lastimando só então o tempo perdido e perguntando-nos por que razão demorámos tanto tempo a executar um gesto tão simples e de efeitos tão libertadores na nossa vida. Mas, com a idade, verifica-se que é uma decisão que não pode ser acelerada por conveniência, antes que a honestidade a autorize, o nosso sentido de justiça a legitime e, sobretudo, o último fôlego de orgulho se extinga dentro de nós. Tudo tem a sua hora, no que respeita à consciência, e o tempo nunca se perde, ganha-se."

"Crescer era perdoar as circunstâncias e seguir em frente! Era agarrar num património herdado, financeiro ou cultural, afectivo ou social, concreto ou imaginário, indigente ou luxuoso, e, com isso, tentar construir qualquer coisa!"

Rita Ferro

1 comentário:

Anónimo disse...

Bela seleccção :)
"É-me penoso avaliar-me, quanto mais descrever-me. Há dias em que me sinto cativante e difícil de ignorar, noutros incolor, insignificante, invisível."

Gostei particularmente desta...
Beijo terno para ti.