segunda-feira, julho 24, 2006

Relações

"Jardins secretos

Um dos sonhos que mais acalentamos na infância é o de termos um espaço só nosso, bem afastado do olhar controlador do pai e da mãe. Para uns, este sonho passava-se no reino da imaginação e do faz-de-conta. Tomava a forma de um quarto secreto, digno das mil e uma noites, escondido por trás de um armário ou de um alçapão, e onde nos podíamos esconder sempre que nos apetecesse. Para outros, era mais real. Projectava-se numa casa de madeira, construída numa árvore bem alta onde os adultos nunca pudessem chegar. Ou então consistia num simples diário. Aquele livrinho a quem confiávamos pensamentos ou desenhos e que nos acolhia com a maior discrição, sem recriminações nem julgamentos.
Também na vida adulta, uma etapa em que tantas vezes já deixámos para trás sonhos, projectos e aspirações, em que sentimos o peso da rotina, das obrigações profissionais e familiares, há momentos em que damos por nós à procura de um oásis de tranquilidade, um refúgio onde possamos descansar. Um lugar só nosso, no meio do ruído do mundo, não é fácil de descobrir. Mas será que em cada um de nós não existe um espaço, mais ou menos concreto, onde podemos ficar temporariamente sós, e onde vamos buscar as forças para continuarmos a avançar? No fundo da nossa memória, do nosso passado, do nosso coração, não existem esses locais que continuam a fazer-nos sonhar? (...)"

Cláudia Freitas
(in Revista Xis, suplemento do jornal Público nº 5953, de 15 de Julho de 2006)


Exemplo

"A Casa de Rubem Alves

Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que existia dentro de mim como saudade. O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora; era a poética dos espaços de dentro. Eu queria fazer ressuscitar o encanto de jardins passados, de felicidades perdidas, de alegrias já idas. Em busca do tempo perdido... Uma pessoa, comentando este meu jeito de ser, escreveu: 'Coitado do Rubem! Ficou melancólico. (...)' Não entendeu. Pois melancolia é justamente o oposto: ficar chorando as alegrias perdidas, num luto permanente, sem a esperança de que elas possam ser de novo criadas. Aceitar como palavra final o veredicto da realidade, do terreno baldio, do deserto. Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade. Mais do que isto: é compreender que a felicidade só voltará quando a realidade for transformada pelo sonho, quando o sonho se transformar em realidade. Entendem agora por que um paisagista seria inútil? Para fazer o meu jardim ele teria que ser capaz de sonhar os meus sonhos..."

Rubem Alves
(psicanalista, teólogo e escritor brasileiro)

2 comentários:

vera disse...

"Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade"
se à dias em k me questiono se realmente é assim tão bom sonhar, às muitos mais em que tenhu a certeza em que ele é essencial na minha vida.se,tal como dizia o poeta,é o sonho quem a comanda,felizes dos que sonham e constroiem os seus castelos no ar....

GK disse...

A busca é interior. Todos precisamos desse jardim e ele pode ser construído dentro de nós. É um processo longo e complicado que passa pelo auto-conhecimento. Mas, quando conseguimos construir esse refúgio, muda tudo. O mundo torna-se mais calmo. É verdade que às vezes perdemos o caminho de volta e tudo se volta a complicar. Mas, se ele já lá estiver, é garantido que podemos encontrá-lo sempre.O mais difícil é, defacto, construí-lo. Porque é um trabalho solitário. É solitário, mas não é por isso que é triste... E é disso que ninguém parece convencer-se...