domingo, janeiro 29, 2006

A Alma do Mundo

Acabei de ler mais um livro.
Foi-me oferecido no Natal.
Eis algumas passagens que não pude deixar de sublinhar:

"Em cima da consola, há uma fotografia dos dois, comigo pequeno ao colo, mas, apesar de sorrirem, não me lembro de um único instante do meu passado em que, entre aquelas quatro paredes, tenha havido qualquer coisa parecida com a felicidade."

"Claro que há excepções. Há sempre alguns - poucos - afortunados no mundo, mas eu, aos catorze anos, já sabia muito bem que não o era."

"Só podia perguntar a mim mesmo: qual das duas será a verdadeira - a alegre ou a triste? À medida que se vai crescendo, vai-se mudando, sempre me disseram. Mas por que é que a mudança tem de ser sempre para pior?"

"Já tinha percebido que, em nossa casa, havia uma bomba que não explodira. Estava sepultada sob toneladas de detritos. Esses detritos eram as palavras não ditas."

"Os pintainhos gostam de estar quentes sob a luz da incubadora, os homens gostam da tepidez das utopias, das promessas impossíveis."

"Interessávamo-nos pelas mesmas coisas, para as descrever usávamos as mesmas palavras.
A partir desse momento, nunca mais nos deixámos."

"- Se já não tens asas, cais. A gravidade puxa-te para baixo, como se fosses uma pedra."

"Sentia-me muitas vezes como uma criança que acaba de abrir os olhos para o mundo. Tudo era estupefacção, emoção. Eu existia nos olhos de um outro ser humano."

"Os animais não conhecem o futuro, é isso que os salva de enlouquecer; para eles, a morte é uma coisa como outra qualquer, chega quando chega, é como a chuva, o granizo, o vento, um facto absolutamente natural, fecham os olhos e não têm qualquer remorso, viveram de acordo com o programa que a natureza lhes deu."

"Só então me apercebi de um facto extraordinário: a vida não é um percurso rectilíneo, é um círculo. Pode fazer-se seja o que for, mas depois volta-se exactamente ao mesmo ponto."

"Esquecera-me do instante tão breve em que se manifesta a alegria, o ser coisa entre as coisas criadas, respiração entre o que respira à nossa volta."

"Os cumes das grandes montanhas estão muitas vezes ocultos pelas nuvens, do vale só se vêem as encostas. Para se chegar lá acima tem de se atravessar essa zona incerta, nem todos têm coragem para trepar pelas paredes de rocha."

"A bondade só triunfa nos livros edificantes, no concreto dos dias sai sempre derrotada. Seria belo e emocionante descobrir de repente que, como dizem os Evangelhos, a brandura vence a força e o perdão mata a violência, mas isso nunca acontece. Cristo morreu assassinado, Ghandi também, e isso fecha o círculo, a palavra 'fim' já está escrita nesse sangue."

"O bem, o mal, estão nas nossas mãos. (...) Não há ninguém lá em cima a preparar-nos a papa, a nossa existência não é a existência dos lactentes. Seria cómodo, claro, mas que significado daríamos às nossas vidas se tudo estivesse estabelecido desde o início?"

"Dentro de mim havia a calma vazia que se segue às emoções demasiado fortes."

"- A lógica do amor (...) é uma espécie de não lógica, muitas vezes segue vias incompreensíveis para a nossa inteligência. Há gratuitidade no amor e é isso que nos custa a aceitar."

"A emergência leva-nos a ver os actos sob uma luz diferente."

"(...) o grande erro é acreditar que a inteligência é um mérito nosso. Quanto mais inteligente se é, mais se tende a acreditar nisso. A própria inteligência choca dentro de si o germe da superioridade. Mas superioridade em relação a quê? A quem?"

"Pensava no acaso que tinha feito com que as nossas vidas se encontrassem, pensava que talvez estivesse destinado, desde o momento em que nasci, a ir parar àquele local."

Susanna Tamaro

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